O Porto pode ter nascido numa estrela e desaguar nas nossas mãos. Põe a secar à janela, como uma bandeira, a roupa que usa. Não é uma montagem de cinema ou uma peça de engenharia. O Porto é um estado de alma, incrustado na rocha, como uma erva que resiste a toda a transfiguração plástica. Não é possível subverter-lhe o carácter. Os atentados à sua morfologia, para bem ou para mal, não provocam só por si qualquer mudança. O Porto é como uma cidade, nem grande nem pequena, à mercê da sua inocência ou brutalidade. Porque são as suas gentes que ainda o fazem e não as pessoas que mandam nele. Os fragmentos que o pontuam de uma margem para a outra do rio - um velho palacete, um barco inamovível, uma ponte inválida - são pontos de referência estruturais, como um segredo num mapa, do seu desenho contínuo e navegável, o mistério da sua luz londrina e tensa. O Porto não está de peito feito para o mar. Recolhe as suas forças e faz-se ao alto mar. Por amor e necessidade.
Joaquim Castro Caldas, in O Tripeiro