Tive um espelho em criança
que me lembrava um rio.
Não era por aqui que eu queria começar
mas por versos diferentes
que falassem de pontes.
Só me lembrei do espelho
por causa de acordar com ele ao fundo,
escondido na memória,
trazido por um sonho desta noite.
Oval, de cabo inteiro,
foi ponto de partida nesta noite
para sonhar de coisas que não cabem em rio.
Mas posso usar o espelho
para falar de pontes.
E assim farei,
que o coração aqui se descompassa.
II
Podem ser de betão, ou de sentido,
de ferro organizado há mais de um século
mas sempre amaciado por um rio
que lhe descobre a voz.
Ou podem ser de névoa,
ou podem ser de um vento solitário
se o mar lhes é motivo transversal:
assim, muito de perto,
a foz ali ao lado e em aresta serena, deslumbrante.
Ou momentos com água equilibrados:
a estrada desigual,
curva do rio,
a festa repetida do olhar.
Podem ser de sentido, de betão,
de ferro ou de outras coisas mais humanas,
as pontes de que falo.
E equilibram as coisas e as gentes,
e aproximam palavras,
fazendo-as de reforços mais oblíquos
e aos acentos que delas
são o centro.
Podem ser do que forem
as pontes de que falo,
que nada lhes retira a alma mais oval
como a do espelho
que tive há muito tempo.
III
Tive um espelho em criança
que me lembrava um rio,
que me fez lembrar um rio,
as suas pontes.
Falei. Que o coração possa
sonhar -
Ana Luísa Amaral, E ao falar de espelhos, de pontes falarei
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