sexta-feira, junho 20, 2008

S. João

( ou a noite que nunca deixa de ser criança )

Por Carlos Romão

Lá pela meia-noite, deitar-se-ia o fogo ao mastro, o gato, para gáudio geral, daria um salto de metros antes que virasse churrasco, os "noivos" desapareciam nas chamas com o estrondo de uma bomba mais potente, e as risadas e os descantes ecoavam por vales e cabeços. Depois, era a corrida individual às sortes (pôr a roupa na janela, deitar bochechos na rua, regar os campos, espetar a tesoura na peneira...), era o passeio aos pares ou em pequenos grupos até às fontes, e era o encontro secreto dos rapazes que pela noite tratariam de deslocar alfaias e vasos e de atravancar caminhos e cancelas com toros, pedras e ferros velhos.
O S.João do Porto (não falemos do de Lisboa, tão pobrezinho, como aliás o Santo António) veio revelar-me elementos novos da festa são-joanina (cascatas, rusgas, alhos-porros ou martelinhos...), mas nenhum que permitisse pensar num modelo diferente de um modelo rural. Sabe-se, aliás, que se o S.João do Porto já se festejaria de modo essencialmente idêntico no século XV e o de Braga no século XVI, as suas motivações, os seus ritos e até as suas intensidades emotivas teriam então como hoje correspondências não só em aldeias portuguesas mas também em vários lugares de diversos continentes.
Isso explica-se não só pela mesma herança de tradições pré-cristãs (dir-se-ia dionisíacas) como também pela mesma necessidade de representações do combate do Verão com o Inverno, e de ritualizações de profilaxia, de propiciação ou de fecundidade da mãe terra e do que ela ou por ela se traduz.



Por Carlos Romão

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